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Meu filho chegou em casa chateado. Uma vizinha tinha lhe dito que ia deixar de ser sua amiga… E que isso ia acontecer, porque ele não aparecia na área de estar do condomínio, onde os moradores costumam sentar-se para conversar. Se essas pessoas falaram em tom de brincadeira achando que ele entenderia, elas não sabem como funciona a mente de um autista.

Meu filho sofre, porque acredita que perdeu a sua amizade. Foram alguns dias para que eu conseguisse convencê-lo de que não era uma verdade… era uma brincadeira. Percebo que as pessoas o testam, até para verem sua reação e rirem dele.

O tom de voz é reconhecido

Ele percebe o tom de voz e o seu significado ele pressupõe. É sensível ao tom da voz, e diz que não gostou… Ele tem deficiências auditivas. Se não enxerga os lábios, pior fica. E isso lhe faz mal, por não entender a fala, não compreender o significado da linguagem. Percebe quando é queixa, mas o que fazer?

Não mudará nunca seu jeito de entender as coisas: sempre o concreto. Hipóteses continuarão incompreensíveis...

Se ele falar o que pensa e não for compreendido, sabe que irão rir dele… ele notará e se chateará.

Não existe metáfora!

O que você fala para ele é compreendido exatamente no sentido da palavra. Outro dia, um vizinho lhe falou “mal da mãe” (foi o que entendeu). Isso o confundiu. Teria sido verdade? Ou foi a sua dificuldade de compreender?

As dificuldades de relacionamento do autista são muitas.

A dúvida gera instabilidade

E ele conta ou não me conta? Ele entra em ansiedade, aborrece-se. Não sabe lidar com dúvidas.

Os irmãos se queixam que eu traduzo o que ele diz nos encontros de família, pois quando não entende, olha direto para mim, pedindo que fale na “sua língua”.

A ironia… e agora?

A ironia lhe é muito difícil de entender. Metáforas… nem pensar.

Leitura corporal

Meu filho é um grande observador. Aprendeu isso entre alguns outros comportamentos das pessoas. Mas raramente faz a leitura correta do fato. Foi brincadeira? Gozação? Foi verdade ou brincadeira? Será preciso sentar-se com ele e lhe explicar tudo, fazê-lo pensar dentro de suas condições mentais. E isso eu faço há mais de quatro décadas. Imaginem o cotidiano de esforços.

A insegurança 

Meu filho está sempre inseguro.

Frequentemente, muito frequentemente, pergunta-me a mesma coisa. Ele sabe a resposta. Mas precisa que eu lhe assegure que sabe.  Pouco tempo depois, poderá me perguntar novamente. Impossível dizer quantas vezes tento esclarecer a mesma coisa. Isso me cansa.

A cada dia, um novo dia. Tudo de novo! Nem sempre tenho paciência para lhe explicar a mesma coisa. Ele sabe decor a resposta. Mas precisa de minha atenção. Há dias em que me irrito, reclamo… Não me culpo mais, sinto-me no direito de ser humana, de ter meus direitos da cansar.

Dizer para uma mãe jovem, que precisa repetir a cada vez é diferente de uma mãe idosa. As energias não são as mesmas.

 

 

Amigos para os autistas

E foi assim que eu lhe acalmei. Disse-lhe: AMIGO DE VERDADE não cobra comportamento de outro amigo. Vai lhe perguntar Como vai? O que aconteceu? Estavas doente? Por que não desceu mais para conversar conosco? Sentimos falta da tua companhia…

Não é assim que todos nós fazemos com nossos amigos? Por que com ele é diferente?

Não podemos testar os sentimentos dessas crianças grandes… Elas não merecem isso. Seus sofrimentos já bastam e são muitos.

Quer ajudar? Ensine-o a pensar. Questione dentro de suas possibilidades… e vai construir linda amizade com ele.

Responder lhe fará bem, claro que dentro das suas capacidades, de seus limites.

Tempos atrás

Quando seus irmãos eram adolescentes, eles diziam que ele copiava o que eu dizia, como se fosse exigência minha, como se fosse eu que comandasse o que ele diria. Nunca, eu dizia, por que desejaria que não pensasse por si mesmo? Não acreditavam em mim. Diziam que ele era inseguro e não sabia o que dizer porque eu cobrava dele, então, para me agradar, ele repetia o que eu falava.

Seu diagnóstico de autista ocorreu aos 40 anos! Saber foi muito bom para todos. Apaziguou-os. Ter um irmão autista gerou aceitação e melhorou o comportamento dos irmãos para com ele. Passaram a entender suas limitações e seu comportamento repetitivo,  seu desenvolvimento e dificuldade de compreensão.

Quanto mais se bem informados, melhor será o cuidado com ele.

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MARILICE COSTI

Escritora, especialista em Arteterapia, Mestre em Arquitetura (UFRGS). Criou e editou, também foi capista da revista O Cuidador (2008-2015). Recebeu Prêmio Açorianos 2006 em poesia. Tem muitos livros publicados, entre eles: As palavras e o Cuidado, Arteterapia e Literatura (2018) e A Fábula do Cuidador (2016), os mais recentes. Cuidadora, mãe, avó e bisavó jovem. Dá palestras e ministra cursos. Diretora de SANA ARTE.

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Marilice Costi é escritora, poeta, contista. Especialista em Arteterapia e Capacitada em Neuropsicologia da Arte, é graduada em Arquitetura e mestre em Arquitetura pela UFRGS. Publicações: livros e artigos. Foi editora da revista O Cuidador.
 
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