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Demétrio estava acomodado em uma cadeira Gerdau adaptada às suas condições físicas e tomava sol. Era diferente da cadeira reclinável, que anteriormente existia na mesma saleta perto da mesa das refeições onde tantas vezes descansara após o trabalho.

Era um dia muito frio como aqueles em que, ao fazer a sesta, necessitava um cobertor. Suas pernas estavam enroladas numa manta, calçava meias grossas e um chinelo forrado de lã de ovelha.  Ao lado, sua mulher há mais de 50 anos remendava roupas.

A campainha tocou e ela moveu-se para soltar a roupa com a agulha fincada no tecido perto do alinhavo, mas desistiu.

– Lurdes, disse ela, atenda à porta, por favor.

Prontamente, a moça secou as mãos no avental e seguiu pelo corredor. Olhou através do vidro da porta, abriu a pequena janela e disse bom dia aos desconhecidos. Um deles lhe respondeu e então retornou à saleta.

– Dona Alice, querem falar com Seu Demétrio.

Ela então acomodou a agulha no tecido, colocou o retrós ao lado sobre a almofada no assento do pequeno sofá e dirigiu-se à porta. Quem seria àquela hora da manhã de sábado?
Pela vidraça da porta viu um casal jovem e uma idosa. Então virou a chave e abriu.

– Bom dia, D. Alice. Precisamos muito falar com Seu Demétrio – disse a mulher.
Alice abaixou-se para liberar a cremona que travava a porta no piso, puxou a outra superior e soltou a segunda folha da porta, dando espaço para passarem. Com a mão, sinalizou a sala de estar e disse:
– Entrem. Vou falar com ele.

A ampla sala continha um sofá de quatro lugares cor dourada, duas poltronas vermelhas de veludo desbotado, uma mesinha para o abajur, de mármore rosado com pés dourados, o registro de uma escolha feita há mais de quarenta anos.  Quando os viu acomodados, disse:
– Está muito frio, vou pedir um cafezinho. E retornando à saleta, olhou o marido e disse-lhe: É contigo, Demétrio. Atenda… Deve ser importante.
– Não quero falar com ninguém – disse ele. Há tempo não se sentia confortável para atender estranhos, nem queria que o vissem. Fora sempre cuidadoso com sua aparência e agora se sentia decrépito, sabia que a vida lhe escorria.

Alice retornou à sala, não antes de pedir que servisse um cafezinho bem quente, lembrando-a de, antes do café, colocar água fervendo nas xícaras. O frio da cidade gelava tudo. E completou: se não, o café chegará frio.
Trazendo um pedido de desculpas do marido, não se sentia muito disposto, Alice abriu a conversa.
– Em que posso ajudá-los?
Novamente, a mulher, agora se identificava como mãe e sogra do casal, tomou a frente.

– Anos atrás, quando trabalhávamos na fábrica, Seu Demétrio nos emprestou dinheiro para que comprássemos a nossa casa. Meu marido já faleceu e pediu-me que eu não ficasse sem acertar. Só agora conseguimos juntar tudo. Queremos acertar.

Alice arregalou os olhos, afirmando que ia falar com ele então.

– Demétrio, a viúva do Machado quer devolver o dinheiro do empréstimo que fizeram contigo para comprarem a casa deles. – disse ao chegar à saleta.

– Quem são? – enfatizou Demétrio, que não a ouvira bem.

– Líria…, a mulher do Seu Machado, está aí com o filho e a esposa.

– Não sei quem são, Alice. Diga-lhes que não me devem nada e que podem ir para casa.

Alice retornou à sala de visitas e transmitiu o recado aos três. Eles se entreolharam surpresos e ficaram sem palavras.
Então, levantaram-se, agradecendo, e seguiram Alice até a porta da rua. Foi quando ela lhes pediu que rezassem pela saúde do marido.

2017.08.12 – Homenagem a Zeferino Demétrio Costi, pelo dia dos pais.
Saudades eternas.

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Marilice Costi é escritora, poeta, contista. Especialista em Arteterapia e Capacitada em Neuropsicologia da Arte, é graduada em Arquitetura e mestre em Arquitetura pela UFRGS. Publicações: livros e artigos. Foi editora da revista O Cuidador.
 
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