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ARTETERAPIA: cuidados com mães cuidadoras

MARILICE COSTI

Resumo do relato – 13º Congresso Brasileiro de Arteterapia
e X Jornada Catarinense de Arteterapia – Camboriu/SC, em 2018
Mesa Redonda – Eixo: Experiências Inovadoras em Arteterapia

Familiares de pessoas com deficiências psicossociais não costumam cuidar de si. Viram um trator, como disse a mãe de um autista. E adoecem muito: dores, pressão alta, fibromialgia, depressão, entre outras doenças crônicas.

Esta conta é do SUS, dos planos de saúde, da família.

Para os profissionais chama-se burn-out –a exaustão do cuidador – e os aposenta, para os pais não é considerada.

Esses cuidadores familiares são invisíveis. Seu sofrimento é secundário, não se dão o direito de “despencar”. Quem cuidaria do filho? Como ficaria a família?

Na rede SUS, ocorrem abandonos: a) se o filho for atendido, a família ficará bem; b) se a família necessita de apoio, vai para o início da fila de espera; c)  há quem culpe o pai ou a mãe de causarem transtornos no filho; d) tratam sentimentos dos pais com isolamento, ironia e desrespeito, desvalorizam a sua fala; e) se o terapeuta trocar de sede, não repassam a outro profissional, abandonam sem satisfação; f) acessam memórias da mãe (baú de histórias de dor) sem o mínimo cuidado, apenas para não ler o prontuário e a mãe deprimirá por vários dias; g)  a família não faz parte do cuidado.

Não basta cuidar apenas do filho. É preciso estender o suporte aos familiares. Um atendimento arteterapêutico trabalha todas essas questões que giram ao redor desse cuidador. As dores que tanto deprimem poderão ser aliviadas.

Falta capacitação a esses profissionais, compreender o conteúdo real no cotidiano de uma dessas famílias.

O que se percebe é um manual pronto a ser seguido sem questionamento. Além disso, existe o abandono social. Mais de 50% das mulheres cuidam sozinhas, ninguém as convida para festas. A sociedade não sabe lidar com tantas ausências nos encontros (e desistem). Raros compreendem o que passam e o seu cansaço permanente. Com os anos, adoecem e se tornam incapazes de continuar cuidando. É quando a sociedade é mais perversa e a culpa por isso. Entregar o filho ao cuidado de outro é sofrido para todos. E muitas vezes, não possui recursos para isso.

Responsáveis por tudo, sem cuidados, quantas morrem antes do filho?

Informar sobre a necessidade de atenção diferenciada à família, em especial, a quem exerce o cuidado; informar das necessidades do cuidador para tratar de esvaziamento, abandono, solidão, rejeição, cansaço, baixas energia e autoestima; estimular emoções positivas para ampliar sua resiliência, estimular repertório afetivo e fortalecer para o enfrentamento cotidiano; reconhecer habilidades, desenvolver socialização e demonstrar resultados de trabalho arteterapêutico executado, fornecendo espaço continente, acolhedor e afetivo.

Tempo e saúde somem no cotidiano desses cuidadores. Quando o casal se cobra, surge a solidão e o “abandono”, o homem se sentirá incapaz de administrar seus sentimentos também, mas buscar suporte  para sua dor é incomum. Há atitudes seculares no funcionamento familiar e se manifestam nessas famílias (ROSA, 2008). A mulher, ao se empoderar no cuidado, poderá “expulsar” o marido.

O cuidado intensivo, quando se é jovem, frustra, impede crescimento profissional, os sonhos. Perceber o filho frágil e “eterno” deprime. Difícil de administrar (COSTI, 2001), o casal

precisa de apoio, mas a maioria se separa. Mãe tem medos, cortisol alto. O suicídio é risco, pois ser forte e guerreira é fantasia. E se algo me acontecer? E se eu morrer? Sua finitude e separação são temas que ocorrem. Há mães que se estruturam bem e se preparam para a velhice. Depende de cada uma. Separar-se traz medo e culpa -a sociedade e a religião reforçam (ROSA,2008). Há mães que são tão carentes de abraços, que não sabem mais abraçar. Na rede SUS, o movimento corporal é de distanciamento e para tal, os profissionais são treinados nas faculdades, o que ocorre em hospitais de referência (COSTI, 2011).

Como diz JULIANO (1999): é preciso acolher o cliente com tudo que ele traz de tenebroso ou de sublime, deixando-o depositar no chão sua bagagem, que se tornou pesada de tanto carregar nas costas.

Em 2000, atendi um grupo de mães com Arteterapia para cuidá-las com diversas técnicas: respiração e relaxamento, estímulos corporais, recursos artísticos diversos, percepção de sentidos, leitura, escrita (COSTI, 2012), contação de histórias, caixa de sussurros, novelos de lã e barbantes, música, meditação ativa (COSTI, 2016). O momento era só delas. Seus sonhos precisavam fluir e se reposicionarem.

As participantes compreenderam o quanto seu lugar fora invadido, e podiam recuperá-lo. Trataram a culpa por desejarem espaço pessoal (privativo), liberdade, direitos. O grupo foi continente. Havia mãe de autista, de pessoa com esquizofrenia e, também, com lesão cerebral. Todas obtiveram alívio, maior compreensão do momento e do que passaram, mais percepção da “solidão” e aprenderam umas com as outras. Respirar, dançar e abraçar eram energizantes e relaxantes, ampliaram olhares. Leituras ajudam. Uma mãe relatou que se identificara com um livro indicado. Sentir-se cuidada, reduzindo a solidão e o abandono, foi fundamental. Após cada sessão, elas buscavam o filho em uma atividade na mesma OSCIP.

Este trabalho foi apresentado no Congresso Sul-americano de Criatividade, Porto Alegre/RS, 2005.

A Arteterapia pode auxiliar muito no cuidado a familiares e, além de lhes proporcionar o cuidado, socializa.

Como suas vidas são invadidas pelas necessidades do filho, necessitam muito de direcionamento a si mesmas, por isso falar sobre o filho foi permitido apenas na 1ª. Sessão. Chamo isso de continente para o autocuidado.

Os ambientes interferem em nossas sensações, por isso a mesa deve ter apenas o necessário à atividade.

Somos responsáveis pelos vínculos que estabelecemos, logo é preciso delicadeza para penetrar no mundo do outro e respeito com ética ao sair dele. Importante tratar sentimentos de abandono e separação com técnicas de suporte.

Como não há padrões, há a singularidade do filho, compreender a diferença de cada uma, auxilia.

Atuar com equipe multidisciplinar e orientar em caso de busca por moradia e acolher em alguma sessão, todo o grupo familiar, sempre que possível. Sugere-se que o pai participe, pelo menos em algum momento.

Criar um Laboratório de Sensibilização e Criatividade com atendimento concomitante ao do filho facilita a vida da mãe no momento de sua sessão. Promover passeios, escambo e encontros entre os grupos, desenvolve muito a socialização, pois é fundamental que se divirta, alimente sua alegria de viver, reposicione seus sonhos de vida para que possa construir um repertório feliz e acioná-los em momentos de dificuldades.

A Arteterapia individual ou em grupos pode dar muito suporte a essas famílias.

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PALAVRAS-CHAVE: #Familiarcuidador, #DeficienciaPsicossocial, #Arteterapia, #Cuidados, #MariliceCosti, #PICS, #SUS.

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REFERÊNCIAS

CARLOTTO, M.S. Quando o desgaste é excessivo. O cuidador. Porto Alegre:v.2, jan-fev,2009.

COSTI, M. A fábula do cuidador. Porto Alegre: Sana Arte, 2016.

COSTI, M. Abraço, mais que acolhimento! In: TOMMASI, S.B. (Org.) Arteterapeuta: um cuidador da psique. São Paulo: Vetor, 2011.

COSTI, M. Caviardage. O Cuidador. Porto Alegre, v.25, p.18-19,nov-dez,2012.

COSTI, M. Como controlar os lobos? Proteção para nossos filhos com problemas mentais. Porto Alegre: AGE, 2001.

JULIANO, J.C. A arte de restaurar histórias: libertando o diálogo. São Paulo: Summus, 1999.

ROSA, L. Transtorno mental e o cuidado na família. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

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MARILICE COSTI é escritora, Mestre em Arquitetura e Especialista em Arteterapia. Permanente ativa nos cuidados aos familiares de pessoas com deficiências psicossociais, coordenou o Movimento Pró-Vida Assistida durante mais de dez anos, manifesta-se em eventos pontuando o cansaço dos familiares e o descuido nas redes de saúde com quem cuida, defensora das moradias assistidas ou moradias para pacientes psiquiátricos, escreve sobre o tema e atende familiares.  Editora-chefe da revista O Cuidador, periódico de permanente acolhimento aos cuidadores e suas falas, busca alteração na sociedade e aceitação a essa família que é invisível e abandonada muitas vezes.

Prêmio Açorianos (2006) livro de Poesia – Ressurgimento.
Prêmio Brasil Criativo (2014) Finalista Mídias impressas para a revista “O Cuidador”, SP.
SEO Cuidaqui.com – “negócio de impacto social” (2016) Agir – SEBRAE/RS.
Publicações:

Saiba do movimento da sua família antes de assumir a moradia para seu filho autista – aqui: Como controlar os lobos? proteção para nossos filhos com problemas mentais.

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